quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O bêbado infeliz


Era quase noite. Ele estava caído na calçada próximo a um parque de diversões, mas sua mão esquerda estava levantada. Pensando que seria alguém precisando de ajuda parei o meu carro, mas ao me aproximar percebi que se tratava de um jovem embriagado. Como era o primeiro dia do ano, resolvi conversar com ele, a fim de poder prestar uma pequena ajuda.


Indaguei lhe sobre onde morava, se queria uma carona ou se tinha algum telefone que eu poderia ligar para os seus pais ou outro parente que ele desejasse. Mas ele disse que queria morrer. Como a cena era cômica, resolvi, depois de me certificar que era só a danada da cachaça, dialogar um pouco.


Ele com a voz pastosa, um olho meio aberto e outro totalmente fechado disse que estava com raiva do seu patrão. Disse que estava vindo de uma festa de confraternização da empresa em que trabalhava e que o maluco do patrão o ofendera. Daí o motivo de ele querer morrer. Eu comecei a rir, só podia vir de um bêbado aquela conversa.


Quando eu me levantei para ir embora, já estava próximo ao meu veículo ele me chamou, daquele jeito que só os sujeitos com alto teor etílico na mente é capaz “Ooooo bacana, vem cá um pouco”, ainda rindo voltei e ele vociferou: “ Você não vai querer saber o que o meu patrão disse?” Começou a chorar e narrou de maneira ininteligível a história. Ele babava, batia uma mão na outra, puxava os cabelos da própria cabeça e o muco do seu nariz escorria para a boca.


Mas, de repente ele se acalmou e eu consegui entender que o patrão dele havia proferido um discurso, onde o empresário disse que o ano havia sido produtivo, que havia conseguido produzir tantas peças, que havia importado x produtos e que ele conseguirá deixar o estoque com a quantidade que desejará e que por isso ele havia promovido o churrasco aos funcionários.


Entretanto, na cabeça daquele bebum, que ao escutar o discurso já deveria estar para lá do trevo da sanidade com a lucidez, (havia passado da fase do macaco e já estava na fase do leão), o patrão deveria ter dito na terceira pessoa do plural, nós fizemos, nos conseguimos e não na primeira pessoa do singular. Essa era a queixa daquele ser, que a princípio achei que necessitava de ajuda, mas na verdade precisava só de um banho e um descanso. Talvez no outro dia não se lembraria de nada.


Fui embora sob os protestos dele, que nem conseguiu ficar em pé. A hora que saí ele voltara a chorar e com a voz pastosa dizia: “tô sozinho” e gemia como se o seu abandono fosse incomensurável.


Até chegar em casa, fiquei a pensar em todos que fazem as coisas, mas não recebem o devido crédito. Os pedreiros que trabalham para as grandes construtoras, os pintores, os coletores de lixo, os motoristas de ônibus e por ai vai. Acabei, guardadas as proporções, achando que aquele bebum tinha um pouco de razão. Só não precisava chorar, nem querer morrer. Isso já não era culpa das palavras do patrão, mas sim da água que o passarinho não bebe.

Um comentário:

Obrigado. Fica com Deus.