quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Henry Du Valle


Após conquistar o mundo, ele era agora outra vez uma criança perdida e no meio do seu vazio ele tinha a certeza de que a vida era complexa demais. Ele sentiu vontade de morrer; um impulso triste e infeliz.

As últimas seis décadas haviam sido duras, de trabalho árduo, e o sucesso profissional veio em forma de fortuna. As descobertas feitas por Henry Du Valle sobre a física quântica e seu teletransporte foram maravilhosas. O mundo estava com as distâncias encurtadas e os meios de locomoção foram renovados.

Ele se sentia orgulhoso, pois agora havia conquistado o mundo de fato e de direito, vez que ele era o detentor do prêmio Nobel da Paz do ano de 2073. Aos oitenta e um anos, ele sentiu uma alegria imensa pela premiação e, quando ficou sabendo que havia sido o ganhador da última honraria que ele desejava, uma ternura o invadiu e ele teve uma vontade enorme de abraçar o mundo. Ele era agora ainda mais imortal.

Porém este sentimento durou pouco, pois, ao receber a premiação e voltar para a casa, ele refletiu sobre o tudo que fizera até chegar àquele instante e se perguntou se havia valido a pena. Foram tantas madrugadas acordado e uma vida pessoal mitigada, pois, embora tivesse se casado e tido três filhos, nunca lhes pudera dar afeto e se enganara dizendo que o conforto material tinha sido o pagamento por tanto tempo de ausência.

A sua esposa era uma senhora silenciosa, mostrava-lhe afeto, mas ele sabia que nunca tinha sido um esposo de fato. De repente, ele sentiu saudades dos seus irmãos, de cujos rostos ele tinha quase se esquecido. Quantos sobrinhos ele tinha? Onde estavam os amigos? Ele tinha ajudado a humanidade, mas era um estranho a todos. E o pior é que agora ele se sentia também um estranho para si próprio.

Os sonhos mais dourados que ele concebeu, por meio da sua inteligência, ele os realizou, mas agora ele não sabia para onde ir. A sua vaidade havia se inflado tanto que ele sentiu medo da continuidade, pois pela primeira vez pensou de fato na sua morte. O mundo continuaria, e ele não faria falta a ninguém em especial. No jogo da vida ele havia sempre vencido, mas neste instante o destino lhe apresentava a fatura e exigia o pagamento por tantos desatinos em nome das suas invenções.

Henry Du Valle sentiu frio, mas o gelo estava na sua alma, e não no seu corpo envelhecido. A sua saúde estava em ordem, segundo os recentes exames médicos. Mas ele sentia que a sua “filosofia” havia acabado e que a sua existência também estava chegando ao termo derradeiro. Sentou-se no banco de pedra do seu jardim e, enquanto observava os passarinhos cantarem,  emocionou-se e chorou copiosamente.

Na sua mente, os momentos que lhe assaltaram eram queridos e saudosos. Ele se deu conta do quanto havia negligenciado os seus maiores tesouros, as pessoas que em cada momento da sua vida haviam lhe falado uma palavra amiga: “Vai dar tudo certo”; “Olhe o mundo à sua volta, ele é lindo!”; “Levante-se, pois o chão não é o seu lugar”; “Acredite”; “É possível”. Onde estavam aquelas pessoas? O que ele fez para recompensá-las? O ar começou a lhe faltar, ele começou a soluçar de tanto chorar, e o seu estado emocional piorou quando se recordou da sua mãe, que, quando ele criança, cantava-lhe sempre a mesma música para ele dormir: “Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas de brilhantes só para ver o meu amor passar...”. Quando a sua mãe morreu, ele estava com muitos compromissos e nem conseguiu velar seu corpo como ela merecia.

Passado um tempo, Henry se recompôs, voltou para casa, olhou para a sua esposa, que tinha setenta e seis anos, e lhe pediu perdão. Ela o abraçou carinhosamente e disse em seu ouvido: “Tinha que ser assim, e Deus está feliz com você e te ama, pois você foi um instrumento do bem”. Ele se acalmou um pouco. Mas, daquele dia em diante, ele mudou muito. Henry deixou seus institutos, empresas e pesquisas nas mãos de pessoas capacitadas e passou a cuidar da esposa. Ele se aproximou dos filhos, netos e bisnetos, fez amigos, passou a ajudar na comunidade. O vazio foi preenchido.

Transcorridos dez anos do dia da entrega do prêmio Nobel, Henry partiu deste mundo. O ano era 2083, ele tinha 90 anos, estava prestes a chegar aos 91 anos. O mundo parou e se importou com ele. Chefes de Estado vieram ao seu velório, que durou uma semana. Mas o mais importante foi a sua família e amigos, que tinham naquele idoso bondoso uma fonte de felicidade. Os últimos dez anos da vida de Henry foram instantes de redenção.

No testamento dele havia cartas para os amigos, familiares e para chefes de Estado. Esses escritos viraram relíquias e foram posteriormente publicados em um livro chamado “A gratidão de Henry”.  Henry aprendeu com o mundo e deixou a sua história de vida como um exemplo de que o sucesso verdadeiro é conseguir instantes felizes, que podem ser traduzidos como momentos que você gostaria que durassem para sempre.


Henry Du Valle, um mito, uma construção, uma observação, uma possibilidade, uma melodia, um poema, uma intervenção, um silêncio eloquente, a paz, uma reflexão, uma gratidão, você ou o próprio amor, que sempre permanece e sussurra aos ouvidos atentos: “Seja feliz hoje”.  

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