Ele era adolescente, mas o significado das palavras do pai ecoava em sua mente enquanto via na sua frente se materializando a falta de solidariedade do ser humano.
O pequeno Amadeu era frágil. Sua tez negra e o corpo franzino escondiam sua experiência de filho do campo. O pai havia lhe dado a quantia contada de dinheiro para que ele pudesse chegar até a cidade de Americana, interior de São Paulo. Ia ao encontro de uma tia. Acreditava ser possível um futuro diferente daquele que o aguardava no chão mateiro da pequena cidade do interior do Paraná.
Depois de dois ônibus diferentes e já muitos quilômetros longe de casa, Amadeu chegou à rodoviária de onde sairia o ônibus que o levaria até o seu destino. Ao chegar ao guichê ele pediu uma passagem para a Americana. Entretanto o dinheiro que ele tinha não era suficiente para pagar a viagem, pois para o seu azar o preço da passagem tinha subido naquele dia. A quantia que lhe falta era exatamente um real e dez centavos.
Em desespero, próprio da pouca idade, aos dezessete anos e com nada de experiência em viagens e muito menos em independência ele foi ao pranto, tentou argumentar que a sua tia o esperaria na rodoviária da cidade de destino, que não tinha como ele regressar para sua casa. Implorou para o funcionário daquela aviação lhe vender a passagem pelo valor menor, seu pedido foi negado pelo atendente com grande impaciência e ele saiu da fila.
Olhou desolado para o nada. Já passava das cinco horas da tarde. Amadeu sentiu saudades do pouco conforto da casa do sítio. Sem estudo pensava grande, mas no primeiro obstáculo sentiu vontade de voltar para o aconchego do conhecido lar. Resolveu pedir dinheiro.
O preconceito contra a sua cor ainda era grande. Era início da década de 70. Um negro miúdo com uma roupa velha e uma mala puída causavam má impressão nas pessoas, logo achavam que era algum pequeno vagabundo em busca de vantagens e negavam qualquer tipo de ajuda.
Ele sentiu vergonha e as últimas palavras do pai retornaram na sua mente com mais força: “No mundo ninguém vai gostar de você, as únicas pessoas que te amam de verdade são os teus pais”. Neste momento ele colocou a mala sobre um banco de concreto, sentou e chorou copiosamente, o seu peito se apertava e a tristeza lhe sufocava a alma.
A noite chegou rapidamente. A rodoviária também se preparava para dormir. Logo os passos apressados cessaram. As lojas se fecharam e outro público se aproximou. Eram pessoas que vinham ali pernoitar, drogados, andarilhos e toda sorte de desocupados. Amadeu sentiu medo, queria fugir, mas não tinha aonde ir e ainda precisava do dinheiro para inteirar o valor da sua passagem.
Ele passou a noite em claro. Logo de manhã ele abriu a bolsa, retirou umas bolachas de nata de leite que sua mãe fizera e começou a comer. Sentia-se impotente. Apenas orou, como a sua mãe evangélica o havia ensinado.
Com os olhos fixos em algum ponto ele mastigava sem entusiasmo quando viu no chão uma nota de cinco reais toda amassada. Sem malícia qualquer ele se apressou em pegar o dinheiro. Sentindo uma alegria indescritível olhou para o céu e acrescentou na frase do pai “ Deus também me ama”.
Dirigiu-se até o guichê comprou a sua passagem para Americana, sentia que coisas muito boas o aguardavam. Com este sentimento ele embarcou meio-dia para o seu futuro. Sentiu-se leve. Nem se perguntou como faria para encontrar a tia, quando chegasse ao seu destino daria um jeito. Foi com um sorriso sincero que ele entregou a passagem para o motorista que o levaria para outros ares.
No ônibus se rendeu ao cansaço. Finalmente dormiu e sonhou que voava. Estava em paz.
Boa noite grande escritor, belo texto.
ResponderExcluirCada vez que você escreve, penso não haver outro melhor....
Engano meu, pois seu talento nos surpreende a cada dia.
Cadê seu livro? Já amadureceu a ideia?
Estou na torcida hoje, amanhã e sempre.
Abraços.
Eu sei quem é o amadeu...
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