quarta-feira, 31 de julho de 2013

O pastor traído e a recompensa

Num dia sorrimos e no outro também. Porém, entre os dias existe a noite, instante propício para a reflexão chegar e assaltar a consciência. É a noite que ocorrem as despedidas dos entes queridos, os sonhos impossíveis e os amores improváveis. Noite é um estado e não somente uma mudança natural do mundo. O dia pode ser noite e a noite pode durar mais do que vinte e quatro horas.

Bem cedo, aquele moço percebeu que a vida seria uma constante arena de lutas, mas que também seria uma fonte inesgotável de possibilidades, aprendizados e de maravilhas. Ainda menino, descobriu o amor pela igreja e pelo pai do universo: Deus. A sua família era muito católica e freqüentava as missas aos domingos.

Benedito nasceu no ano de 1960, no dia 25 de outubro, no subúrbio de Salvador, na Bahia. Era negro e o quinto filho de sete irmãos. A família era pobre, mas bastante amorosa. A infância foi simples e, embora a comida nunca tenha faltado, os dias foram difíceis, em razão do grande aperto financeiro. O dinheiro nunca dava nem para o básico, como comprar pão e leite. Mas tudo se ajeitava.

O menino desde cedo passou a ser conhecido como “Di”, pois ele tinha uma irmã com retardo mental que não conseguia falar o seu nome completo, por isso só pronunciava a sílaba “di”, de Benedito. Di seria no futuro um herói anônimo.

Após chegar à adolescência, Di não sabia muito bem o que fazer da vida para ganhar dinheiro. Recolheu papelão para vender, entregou jornais e trabalhou como ajudante na feira-livre municipal. No entanto, aos dezoito anos achou a sua vocação: ser pastor de uma igreja evangélica.

Di começou a namorar uma menina chamada Marta, que frequentava uma igreja evangélica conhecida como Túnel de Jesus. Logo, Di passou a acompanhá-la e acabou gostando da oratória do pastor. Mais tarde, tornou-se um membro da igreja Túnel de Jesus.

O tempo passou e o moço franzino, que usava óculos com lentes grossas, tornou-se assistente do pastor e, posteriormente, foi convidado para ser um desbravador na cidade de São Francisco do Conde. Ele seria o responsável por fazer os cultos iniciais e, mais tarde, por fundar uma igreja Túnel de Jesus.

Di fez a sua parte. Ele foi para São Francisco do Conde, sozinho. Terminou o namoro com Marta e trabalhou muito de sol a sol. Dormia pouco e evangelizava muito. Ganhou um terreno, materiais e em mutirão ergueu mais um templo da igreja Túnel de Jesus.

Depois Di arrebatou mais fiéis, ganhou instrumentos musicais para a igreja e os cultos melhoraram. Di dormia na igreja. Tinha vinte e três anos e um sonho: fazer o bem.

Porém, certo dia apareceu um velho amigo de Di, o pastor que lhe mandará desbravar em São Francisco do Conde. Ele veio agregar a nova igreja. Di, a princípio não percebeu e quando se deu por conta já havia outro pastor em seu lugar e ele estava sem igreja, sem casa e sem ter para onde ir.

Segundo o pastor dirigente da igreja Túnel de Jesus, Di havia perdido a direção da pregação da doutrina da igreja e esta precisava de um novo pastor, a fim de que os rumos fossem retomados. A manobra utilizada pelo pastor foi trazer um pregador eloqüente, casado, mais experiente e culto. Di era só um “menino” e foi trocado sem escrúpulos ou pedidos de desculpas.

Di pensou em se matar. Estava desiludido com todos inclusive com Deus. Começou a trabalhar como representante de uma empresa de bebidas. Experimentou drogas. Prostituiu o seu corpo deitando em camas pestilentas. Arrumou confusões. Chorou sozinho e em público.

Mas, o tempo da dor passou e ficou a lição. Di se reergueu, prestou um concurso público para o cargo de comprador e ali viu que Deus não havia se esquecido do bem que ele havia semeado em São Francisco do Conde. Das 50 perguntas que tinha para responder Di acertou 24, o mínimo para passar era 25, estava reprovado. Mas, como Deus tinha um crédito para lhe conceder, permitiu que uma questão que Di tinha errado fosse anulada, e ele acertou 25. Foi então aprovado.

Começou a trabalhar na Prefeitura de Salvador, na Bahia, na função de comprador. Conheceu uma distinta moça, Márcia, e com ela se casou aos trinta anos. Teve três filhos e com a vida continuava a lutar.

Aos quarenta anos de idade, em um dia frio de agosto, estando a mega-sena acumulada, Di na hora do almoço, com o troco do restaurante, fez uma aposta, gastou míseros dois reais e faturou sozinho o prêmio de cento e trinta e três milhões de reais.

Di teve certeza que Deus estava sorrindo para ele e dizendo: “meu filho eis ai minha recompensa pelo teu trabalho em São Francisco do Conde”. O cargo de comprador tinha sido apenas aperitivo, este prato de felicidade era o principal.

Passado seis meses da retirada do prêmio, Di pediu discretamente demissão da Prefeitura de Salvador. Abriu uma empresa de consultoria e começou a trabalhar com empresas, órgão públicos, igrejas e comunidades. Ele ministrava um curso de Engenharia Humana, no qual focava na melhora do ser humano. Suas palestras eram concorridíssimas e gratuitas.

Ele trabalhou até os oitenta e dois anos, quando passou em definitivo a empresa para os seus filhos, em uma sexta-feira do mês de dezembro. Naquela noite, deitou-se e agradecido chorou. Ao pensar na sua vida ele agradeceu muito a Deus, pois enxergava a mão do Criador em cada instante de proteção. Ele adormeceu, abraçado com a esposa, Márcia, que fora uma guerreira e companheira leal.

Na manhã seguinte, a idosa esposa de Di percebeu o corpo frio do esposo. Ele havia partido durante a noite. O pôr-do-sol em Salvador para ela nunca mais teria a mesma beleza, pois o sol da sua existência havia se apagado.

Benedito da Costa Azevedo foi um herói anônimo, um pastor traído que teve como recompensa o próprio bem que ele semeou. Viveu, Chorou e sorriu. Amou e se encantou. Foi humano!



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