Ao nascer
traímos a nossa paz espiritual, pois tudo o que entendíamos e aquilo que
possuímos na espiritualidade nos foi tirado no momento em que vimos a luz deste
mundo. A traição neste caso foi racionalizada, camuflada por uma desculpa, a da
oportunidade, besteira que por cerca de oitenta anos vamos com certeza
testemunhar.
Nos primeiros
anos somos traídos por nossas insuficiências, que explicamos como um período de
crescimento, mas nenhum bicho demora tanto para ser independente com o ser
humano, por isso mais uma vez estamos a nos trair, presos por nossas
incapacidades físicas, detentoras de impossibilidades que nos amarram a uma
vida pausada e arrastada.
Ao sairmos da
infância e chegar à adolescência traímos nossas saudades, para as quais
afirmamos veemente e juramos às nossas fidedignas lembranças, que não faríamos,
mas acabamos fazendo, e aos pouco nos esquecemos, distanciamos da ignorância,
da bondade, da pureza e da inocência dos primeiros anos na Terra, o sorriso se
torna forjado e não espontâneo e aos poucos ganhamos o disfarce e a fuga do
mundo real, somos agora heróis de nós mesmos e fruto da nossa mediocridade
medida e comparada.
No primeiro
namoro, no primeiro amor de homem para mulher traímos a nós mesmos, pois
deveríamos jurar amor só para nós mesmos e não para outros, ao fazer isso
abandonamos nossa dignidade, nossa felicidade ímpar e acreditamos fielmente que
o nosso complemento é no outro, grande mentira que tristemente perceberemos nas
lágrimas que brotarão mais cedo que imaginamos do nosso coração e sairão pelos
mesmos olhos que vislumbraram o pseudo estado de amor, que poderia ser
verdadeiro em outro plano espiritual, mas ao retornar aqui, distorce o belo e
fica apenas amarrado ao instinto do sexo urgente.
E assim, de colo
em colo vamos traindo e sendo traído, em todos os sentidos até que nos
trairemos mortalmente ao nos casarmos, pois este é o começo do fim, talvez seja
o caminho para a casa espiritual e a maior distorção da vida, pois ao nos
casarmos damos a legalidade para que toda sorte de traição seja possível e
reclamável. Trairemos nosso suor, nosso corpo, nossa mente, nossos desejos,
nossos anseios, nosso espírito e vamos a qualquer preço querer expurgar nossos
demônios em comunhões tomadas nas igrejas, em confissões erráticas feitas
diante de homens traidores de si próprios.
Ao mesmo tempo
estaremos guiados pelos conceitos, preconceitos, dogmas, paradigmas e tantos
outros temores incutidos em nossos inconscientes, programados e formatos para
uma vida nada autêntica, vivemos de um contrato, cuja adesão não foi de livre e
espontânea vontade, nascemos em famílias com traumas, com problemas e
inabilidades insanáveis, logo estamos eivados das mesmas tendências, por isso cometemos a maior das
traições, vilipendiamos nosso inconsciente desde a concepção do óvulo, desde
que fomos o esperma mais rápido do nosso pai e automaticamente vamos trair
nosso consciente.
O inconsciente
do ser humano é responsável por todos nossos atos automáticos, bem como por nossas
impressões de mundo. O inconsciente foi programado por nossos pais, professores
e durante relacionamentos amorosos e também os odiosos. Somos não os atores em
um palco, durante uma peça teatral, mas sim a própria peça teatral. E não há
quaisquer hipóteses de controlarmos o inconsciente, apenas podemos programá-lo
e esta tarefa é hercúlea e com certeza vai ter extenuar até você desistir de
tentar.
Traímos nossos
pais, ao não sermos sempre sinceros em nossas opiniões, pois não queremos
magoá-los. Traímos nossos professores ao nos comportarmos de um jeito social
aceito, mas totalmente dispares do que realmente queremos agir. Traímos nossa
educação formal, pois não rompemos com as barreiras enfrentadas, mas tão
somente contornamos e procuramos as águas tranquilas, onde os tubarões do medo
nem sempre apontam suas barbatanas das cobranças por atitudes inovadoras e
reprovadas pela grande massa traidora.
E na esfera das
traições vamos nos estabelecendo, levados pelo mar de gente, de sensações,
intuições, de culpas, remorsos e vida. Tentando sair de poços cavados nas
insensibilidades despertadas pelas dores sentidas nas relações com outros, que
pouco se importaram com nossos sofrimentos silenciosos ou gritados a plenos
pulmões.
Enfim, somos
frutos de nossas traições e de tanto se perder no labirinto do infinito “não
saber” trairemos a nossa poesia, nossa escrita, nossa fala e nossa continuidade
e em uma traição do próprio corpo, deixaremos de resistir a vida e sairemos
dela para um caminho longo e incerto, onde a escuridão inicial será nossa
companheira até que a claridade se ajuste e a luz nos aqueça outra vez e neste
instante as traições cessarão e estaremos outra vez no estado inicial de
serenidade. A morte trairá a vida, mas será o atalho para o cerne do ser, que
se religa com o que há de mais nobre no universo: o nada, que tudo é... Somos o
que não falamos, o que não sentimos, o que não pensamos e o que não publicamos,
somos apenas vapor, deste vulcão chamado DEUS.
Belíssima reflexão sobre a vida!
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