terça-feira, 28 de março de 2017

Somos frutos das nossas traições


Ao nascer traímos a nossa paz espiritual, pois tudo o que entendíamos e aquilo que possuímos na espiritualidade nos foi tirado no momento em que vimos a luz deste mundo. A traição neste caso foi racionalizada, camuflada por uma desculpa, a da oportunidade, besteira que por cerca de oitenta anos vamos com certeza testemunhar.

Nos primeiros anos somos traídos por nossas insuficiências, que explicamos como um período de crescimento, mas nenhum bicho demora tanto para ser independente com o ser humano, por isso mais uma vez estamos a nos trair, presos por nossas incapacidades físicas, detentoras de impossibilidades que nos amarram a uma vida pausada e arrastada.

Ao sairmos da infância e chegar à adolescência traímos nossas saudades, para as quais afirmamos veemente e juramos às nossas fidedignas lembranças, que não faríamos, mas acabamos fazendo, e aos pouco nos esquecemos, distanciamos da ignorância, da bondade, da pureza e da inocência dos primeiros anos na Terra, o sorriso se torna forjado e não espontâneo e aos poucos ganhamos o disfarce e a fuga do mundo real, somos agora heróis de nós mesmos e fruto da nossa mediocridade medida e comparada.

No primeiro namoro, no primeiro amor de homem para mulher traímos a nós mesmos, pois deveríamos jurar amor só para nós mesmos e não para outros, ao fazer isso abandonamos nossa dignidade, nossa felicidade ímpar e acreditamos fielmente que o nosso complemento é no outro, grande mentira que tristemente perceberemos nas lágrimas que brotarão mais cedo que imaginamos do nosso coração e sairão pelos mesmos olhos que vislumbraram o pseudo estado de amor, que poderia ser verdadeiro em outro plano espiritual, mas ao retornar aqui, distorce o belo e fica apenas amarrado ao instinto do sexo urgente.

E assim, de colo em colo vamos traindo e sendo traído, em todos os sentidos até que nos trairemos mortalmente ao nos casarmos, pois este é o começo do fim, talvez seja o caminho para a casa espiritual e a maior distorção da vida, pois ao nos casarmos damos a legalidade para que toda sorte de traição seja possível e reclamável. Trairemos nosso suor, nosso corpo, nossa mente, nossos desejos, nossos anseios, nosso espírito e vamos a qualquer preço querer expurgar nossos demônios em comunhões tomadas nas igrejas, em confissões erráticas feitas diante de homens traidores de si próprios.

Ao mesmo tempo estaremos guiados pelos conceitos, preconceitos, dogmas, paradigmas e tantos outros temores incutidos em nossos inconscientes, programados e formatos para uma vida nada autêntica, vivemos de um contrato, cuja adesão não foi de livre e espontânea vontade, nascemos em famílias com traumas, com problemas e inabilidades insanáveis, logo estamos eivados das mesmas     tendências, por isso cometemos a maior das traições, vilipendiamos nosso inconsciente desde a concepção do óvulo, desde que fomos o esperma mais rápido do nosso pai e automaticamente vamos trair nosso consciente.

O inconsciente do ser humano é responsável por todos nossos atos automáticos, bem como por nossas impressões de mundo. O inconsciente foi programado por nossos pais, professores e durante relacionamentos amorosos e também os odiosos. Somos não os atores em um palco, durante uma peça teatral, mas sim a própria peça teatral. E não há quaisquer hipóteses de controlarmos o inconsciente, apenas podemos programá-lo e esta tarefa é hercúlea e com certeza vai ter extenuar até você desistir de tentar.

Traímos nossos pais, ao não sermos sempre sinceros em nossas opiniões, pois não queremos magoá-los. Traímos nossos professores ao nos comportarmos de um jeito social aceito, mas totalmente dispares do que realmente queremos agir. Traímos nossa educação formal, pois não rompemos com as barreiras enfrentadas, mas tão somente contornamos e procuramos as águas tranquilas, onde os tubarões do medo nem sempre apontam suas barbatanas das cobranças por atitudes inovadoras e reprovadas pela grande massa traidora.

E na esfera das traições vamos nos estabelecendo, levados pelo mar de gente, de sensações, intuições, de culpas, remorsos e vida. Tentando sair de poços cavados nas insensibilidades despertadas pelas dores sentidas nas relações com outros, que pouco se importaram com nossos sofrimentos silenciosos ou gritados a plenos pulmões.


Enfim, somos frutos de nossas traições e de tanto se perder no labirinto do infinito “não saber” trairemos a nossa poesia, nossa escrita, nossa fala e nossa continuidade e em uma traição do próprio corpo, deixaremos de resistir a vida e sairemos dela para um caminho longo e incerto, onde a escuridão inicial será nossa companheira até que a claridade se ajuste e a luz nos aqueça outra vez e neste instante as traições cessarão e estaremos outra vez no estado inicial de serenidade. A morte trairá a vida, mas será o atalho para o cerne do ser, que se religa com o que há de mais nobre no universo: o nada, que tudo é... Somos o que não falamos, o que não sentimos, o que não pensamos e o que não publicamos, somos apenas vapor, deste vulcão chamado DEUS. 

Um comentário:

Obrigado. Fica com Deus.