sábado, 24 de abril de 2010

Descanse em paz meu querido vô Alcides



Hoje, dia 24 de Abril de 2010 o “Seo” Alcides morreu. Fechou para sempre os olhos um dos homens que eu mais respeitava, que eu aprendi a amar pela simplicidade de um ancião e não pelos presentes caros de um avô.

Quando eu nasci ele já era idoso, sua fala pausada, simples e sempre cheia de significados me cativaram. As suas histórias me faziam viajar num tempo que não era meu. Através das suas palavras eu conseguia vê-lo moço no campo cultivando café, nos bailes da roça e nas espertezas dos criadores de jogos.

Eu freqüentei muito a sua casa, mas não tanto quanto eu gostaria, ainda poderia ter sido mais. A tristeza do momento é grande, mas a lucidez me faz enxergar que tinha que ser assim, pois ele não poderia ser um novo Noé, para os nossos padrões cem anos é muito tempo.

Meu avô queria completar um século de vida. Ele falava com orgulho quantos anos ele tinha, contou nos dedos os anos, depois os meses e por fim os dias que faltaram para ele completar o centenário e o completou com grande estilo.

Eu sempre ouvi que ele havia se desgarrado muito cedo da família, pois como primogênito que era casou-se primeiro e logo foi procurar novos ares e outras oportunidades.

Ele me contou várias vezes que seu pai ficara doente e após ser levado para o hospital da cidade mais próxima morreu, porém a família só ficou sabendo semanas depois, na época ele ainda morava com a mãe, mas após ele ter se mudado de cidade em cidade perdeu o contato com a genitora e só ficou sabendo que ela tinha morrido décadas depois.

Tudo isso mexia comigo, logo eu que sempre tive tanto amor em casa, do meu pai e da minha mãe não conseguia entender a separação que ele tinha tido e cresci achando, fantasiando que um dia eu poderia, sei lá, de repente encontrar seus irmãos, a sepultura da sua mãe, seus sobrinhos e voltar com ele paro o chão que ele tanto tinha orgulho de dizer que nascera e crescera.

No ano de 2008 encontrei um dos seus irmãos, o João, figura boníssima, ser humano da melhor espécie. João tinha 86 anos, era magro, baixo, mas tinha um amor maior que todas as terras que ele cuidava e olha que era muita coisa.

João era caseiro de um sítio enorme em Tatuí. A sua casa era no fim de um “triozinho”, próximo de um rio, não possui água encanada, nem banheiro, era completamente atulhada de reciclados e sobras de coisas. Era bonito de ver a simplicidade de João, que nem sequer pestanejou para nos receber.

No dia em que eu o encontrei estava chovendo e havíamos procurado a manhã toda a sua casa, estávamos em três eu, meu irmão e minha cunhada. Ele estava deitado e eu entrei em seu quarto, na hora percebi que vai encontrado o irmão caçula do meu avô.

Na hora que o vi deitado, temi por sua saúde, mas ele logo se levantou e como se animou e ficou feliz em saber quem éramos e o que pretendíamos.

No domingo seguinte lá voltamos com meu avô a tiracolo. Desta vez foi um tio que levou. Na caravana estava este meu tio que dirigia, a sua esposa, minha tia, meu avô, eu e outra tia que com ele residia.

O encontro foi um das coisas mais simples e mais bonita que vi. O reencontro depois de sessenta anos de dois irmãos não teve música como na televisão, nem tampouco apresentações de gala, o João simplesmente saiu da porta da sala da casa e disse: “Arcide?” apontando para meu tio, achei interessante, porque ele nem imaginava qual seria a aparência do irmão, que ele havia visto pela última vez com o vigor da juventude, logo desfizemos o engano com a alegria e eles conversaram.

A conversa durou cerca de duas horas e eles nem sabiam, naquele instante, que era a última vez que se encontravam. Após aquele encontro o compromisso do dia-a-dia nos engoliu e somente no final de 2009 voltamos lá.

A conversa foi muito interessante e eu fiquei por perto o tempo todo. O João narrou como a mãe deles havia morrido em seus braços, como ele ainda lembrava de alguns fatos da vida do meu avô. Comentou o respeito que sentia pelo irmão, que era treze anos mais velho que ele. Combinamos de trazê-lo para Santa Bárbara, ele disse que viria com alegria, pobre João, morreria de um câncer galopante na próstata, sem que seus olhos outra vez nos avistassem.

O meu avô comentou como a vida tinha sido, o que fizera nestes anos e falou com muito orgulho dos seus filhos, netos, bisnetos e tataranetos e nunca vou esquecer sua gratidão a Deus, quando finalizou dizendo: “Deus foi muito bom comigo”.

No final o João mostrou a sua pequena plantação de banana e meu avô riu com gosto quando fui acompanhá-lo ao banheiro, que era atrás de uma árvore.

A vida seguiu seu curso, sem telefones, cartas, e-mails ou qualquer outro tipo de comunicação outra vez “perdeu-se” o contato.

No ano do centenário do meu avô organizamos uma festa para ele, queríamos trazer o João para que ele pudesse conversar com os descendentes do meu avô, como queríamos, mas não foi possível.

Novamente eu meu irmão nos deslocamos para lá, fomos cheio de idéias, mas só encontramos o abandono. A sua casa fechada pelo mato, a trilha até já se escondia. Ninguém mais morava lá.

Na vizinhança encontramos o único filho do João, mesmo jeito simples, com dois relógios, um em cada braço, pés descalços, calça e camisa rasgadas, uma barbicha e um boné laranja.

Ele nos contou que seu pai morrera e que a sua mãe estava na casa de um senhor bondoso, que ela estava com glaucoma e que seria operada.

Fomos até a tal casa e lá encontramos a Tereza, mulher negra e muito boa, hospitaleira. Ela nos mostrou a certidão de óbito do meu tio-avô, o João, bem como indicou o cemitério que ele havia sido enterrado.
Em seguida partimos para o cemitério, eu mais do que o meu irmão precisava ver a sepultura do João. Depois de vê-la, retornamos com a seguinte pergunta: vamos contar para o vô, que o João morreu?

Após discutirmos bastante acordamos que não contaríamos e assim foi, meu avô morreu sem saber que o seu irmão tinha morrido, falamos para ele que o João não viria para a festa e ele concordou, como um gesto característico, uma torcida na boca e o assentimento de cabeça, para ele estava tudo bem.

No dia 28 de novembro de 2009, no dia do seu aniversário, um sábado, aconteceu à festa do seu centenário, depois de um grande esforço de todos os familiares se reunimos em uma chácara e lá eu vi que meu avô estava muito feliz com tudo aquilo.

Tudo transcorreu além das nossas expectativas, foi muito bom, arrancou da gente lágrimas e do meu avô também. Estavam presentes os filhos, netos, bisnetos, tataranetos e esposas e esposos, faltaram só três pessoas da lista de oitenta. Foi um verdadeiro almoço em família.

No mês de dezembro de 2009, meu avô, que não era barbarense de nascimento ganhou o título de cidadão barbarense na câmara. Eu já vi algumas cerimônias de entrega de títulos dessa natureza, em razão do meu trabalho, mas nunca tinha visto alguém ser tão aplaudido como meu avô foi ao término do seu discurso.

Terminado as festividades, o “Seo” Alcides voltou para a sua casa, para seus pequenos afazeres, mais feliz do que nunca, pendurou na parede da sua sala o título de cidadão barbarense.

Eu acredito que ele estava tão em paz que começou a perceber que era hora de partir, deixar esta arena para receber os louros de uma vitória com louvor, que foi a sua trajetória na Terra.

As lembranças ficarão para sempre, que orgulho eu tenho do meu avô, que não deixou fortuna em dinheiro, nem tampouco em imóveis ou em uma gorda poupança, ele me deixou um carinho diferente. Todas as vezes que eu ia a casa dele ele me abraçava e eu o beijava. Ainda sinto sua mão um pouco vacilante a bater nas minhas costas e ele a me perguntar se em casa estava tudo bem.

Agora está tudo bem, meu avô, vai em paz, vá para o merecido descanso. Sua alma é nobre, seu exemplo é ímpar e suas histórias ficarão no meu coração.

Dói saber que você não estará mais a disposição, a gente sempre vai querer mais um abraço, um sorriso daqueles que só senhor sabia dar.

A melhor partida é esta, o senhor partiu como se parte no melhores sonhos, o senhor dormiu para sempre, para a Terra, para os seus irmãos na igreja, mas ficará para sempre nos céus, que o senhor tanto desejava ir.

Abrace a vó por nós, alguns anos de separação, mas agora estão juntos de novo.

A paz de Deus vô, pois não vejo outra maneira de me despedir de você. O senhor que sempre se despedia assim, ainda essa semana te abracei em vida e agora te dou o último ósculo, as lágrimas banham meu rosto, mas o meu coração se enche de alegria pela figura que tive o privilégio de ter como avô. Adeus continue olhando por nós.

2 comentários:

  1. "Aquela festa foi um presente muito especial para ele!
    Mas creio como vocês, que ele está em um lugar abençoado.
    O texto ficou bem escrito e consigo sentir pelas palavras, a sua dor e já presente saudade.
    Sinto muito, Se cuida."

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  2. Anônimo1/5/10 13:33

    Foi muito lindo o que vc escreveu, a omenagem ao nosso avô, aposto que la de cima ele ta olhando por nós e muito feliz, pois ele sabia que nos amavamos ele sempre ficara guardado num cantinho especial nos nossos coraçoes!

    Eliani

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Obrigado. Fica com Deus.