quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Dor de nada


A noite geralmente silenciosa é quase sempre boa para o descanso, mas pode também ser cheia de tédio, quando é preciso ficar acordado por qualquer coisa diferente de diversão.

Liga-se a televisão, de canal em canal a indicação de que não há nada de interessante para assistir. Liga-se o rádio, a voz melosa do locutor depois de um tempo passa a incomodar.

O jornal já é antigo. O pacote de bolacha chegou ao fim. Na internet nada de amigos no msn. Os recados do orkut já foram lidos e apagados. Alguns textos já foram iniciados, mas deixados de lado, a inspiração está cansada.

A posição na cadeira está incorreta, o corpo começa a reclamar da má postura. Pensa-se no dia que está nascendo. Esqueça dormir, ainda será necessário fazer muito antes da cama ser dada como prêmio.

A concentração está deficitária. Ele olhou o céu sem estrelas e viu uma nuvem escondendo a lua. Talvez chuva, talvez mostras de que o dia será quente. Clima seco. Confusões mentais. Datas nebulosas, certezas conflitantes.

Uma dor no pé, uma dor na tíbia, uma dor no baço, outra nos braços, um aperto no peito, uma coisa estranha no pescoço e o couro cabeludo sensível.

Um barulho de carroça. A esta hora? Ah! Se fosse no início da década de vinte poderia alguém afirmar que era o leiteiro, o bom senhor do sítio ou de repente o padeiro, entregando aqueles pães de antigamente, pão cascudo e que era devidamente saboreado com manteiga aviação.

Nossa! A coisa perdeu-se. O queixo encostado no peito dá um solavanco, sono terminado, uma dor no pescoço, a mente embaçada aos poucos vai entrando em foco. A dor de nada vai sumindo, aos poucos. A vida renasce e ele, enfim, poderá partir em sua velha bicicleta azul, com sua velha mochila jeans.

No caminho o calor sufocante do mês de dezembro já o alcançou e ele começa a cantarolar um velho samba, que tinha como estrela um ex-trapalhão.

Ao chegar em casa ele ainda consegue pegar a esposa no portão. Ela é professora e ele tem muito orgulho, pois ela, na concepção dele, até poderia ser chamada de doutora. Ela é inteligente e ainda muito bonita.

Ele entra em casa, deita no sofá e volta a sentir uma dor de nada nas costas. Mas ele está feliz, mas um dia de vida e mais uma oportunidade para continuar sendo bom.

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