Ela nasceu em uma manhã chuvosa de natal, quando se comemorava o nascimento de uma figura mítica ou mística conforme seja o teu padrão mental e os paradigmas que foram insculpidos na sua alma.
Ana não foi exemplo das habilidades que se exaltam na vida. Ela tinha dificuldades motoras e não falava por meio das palavras, tão somente se expressava com os olhos e com trejeitos peculiares, que somente a sua família reconhecia.
O nome foi emprestado de uma personagem bíblica, Ana, que sempre encantou cristãos, leitores da bíblia, pela oração que Ana, do velho testamento, fez para ter filhos. Os pais de Ana, seguidores de Jesus Cristo, lhe deram um nome forte, na concepção deles, a fim de que ela pudesse enfrentar as mazelas da vida. Mas, o seu cérebro não se desenvolveu a ponto de ser independente, por isso muitos achavam que ela era apenas uma sombra da projeção que lhe fizeram.
Ela vivia em um estado mental pouco ativo, presa a uma cama e os seus problemas de saúde eram muitos. O que era para ser apenas o fruto de um amor e a herança genética dos pais passou a ser a fonte de fé, de esperança, de amor e também de preocupação de ambos. No entanto, os pais de Ana eram preparados para sobreviverem àquela prova e sempre empregaram as melhores e maiores energias para a filha.
Os médicos que acompanhavam os esforços dos pais sempre se emocionavam com o amor, a gentileza e a satisfação dos pais em cuidar da Ana, que tinha pouquíssima interação ou demonstração de reciprocidade.
Ana viveu onze anos e pouco antes de completar doze anos morreu. O velório de Ana foi em um dia normal de trabalho. Em uma quarta-feira chuvosa, igual a manhã do seu nascimento. O costume fúnebre, religioso dos pais de Ana era o de fazer um culto na igreja que frequentavam, com o corpo presente da pessoa falecida. Ana, então, foi colocada em caixão branco e ele contrastava com o mármore negro que revestia o altar, de onde o pastor leu a passagem bíblica sobre a caridade, a fim de exaltar os esforços do pai e da mãe.
A igreja não estava lotada e não havia muito pesar, pois muitos ali acreditavam que a vida tinha feito o melhor para Ana e também para os pais. Porém, após o sermão do Pastor o pai de Ana foi dizer umas palavras sobre a filha e deu um testemunho vivo do que é o amor e sobre o que esperar do amanhã.
“Ana não está morta, mas viva e assim se conservará até que os meus olhos e os da minha esposa estejam brilhando, até que o meu coração entregue sangue ao meu corpo e o coração da minha esposa entregue vida para o seu corpo, até que os meus ossos e os da minha esposa estejam juntos dos ossos da Ana, ela estará viva em nossas memórias.
Cuidar da Ana foi um prazer e um aprendizado diário, pois com ela aprendemos que o tempo não importa, pois os instantes não são melhores uns do que os outros, já que não é possível compará-los. Tudo o que houve já foi. Tudo o que há existe neste segundo e tudo o que haverá pode não existir. O ontem, o hoje e o amanhã são percepções e o que há dentro de cada fração do tempo, baseado nas percepções do hoje, do ontem e do amanhã não podem ser entre si comparados, fato que torna impossível dizer que o melhor está por vir ou que o melhor foi no verão passado ou que o melhor está acontecendo agora.
Com Ana aprendemos que a vida é muito boa, muito boa e outra vez muito boa, pelo simples acontecimento da sua existência. Ana nos ensinou que o bom é constante e depende da gratidão que se tem, quando a espiritualidade te dá algo por mais um instante, que você considera inestimável, ainda que seja por mais um segundo até que a morte venha e leve o que de graça e por bondade a vida lhe deu.
Ana foi um anjo e Deus quis que ela voltasse antes dos doze anos. O meu coração e o da minha esposa estão tristes e serenos. Mas prometemos diante da Ana, que mais do que uma frase bonita no seu túmulo e de flores, lhe daremos vida enquanto existirmos e por meio de nós ela existirá e transmitiremos a quem nos perguntar o quão gratificante foi para nós a sua vida.”
O pai sorriu com lágrimas nos olhos, deixou o altar e começou a aplaudir, sendo seguido por todos que estavam na igreja. Ele foi até o primeiro banco onde estava a sua esposa, a tomou pela mão e juntos foram dar o último beijo em Ana, cuja existência seria muito maior do que apenas onze anos, pelo simples fato de que as pessoas que a amaram de verdade a deixariam viver pelo máximo de tempo possível.
Quando os presentes saíram da igreja a chuva tinha dado uma trégua e um vento frio e leve soprava o rosto dos presentes.
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