domingo, 31 de maio de 2009

O Construtor de Túmulos e a Guarda


Conheci Maria Augusta, uma jovem guarda municipal feminino de uma cidade da região de Campinas, em um congresso sobre direitos humanos no ano passado, em uma cidade que também na me lembro qual era.

Como havia me encantado com a sua história, o seu sorriso e sua voz cantada não me detive aos detalhes que ela me forneceu. Ela era uma jovem que aparentava ter uns trinta anos de idade, era negra, tinha cabelos curtos e possuía um rosto miúdo proporcional ao seu corpo também franzino. Tinha dentes branquíssimos e exalava um perfume de rosas.

O palestrante falava sobre o direito à vida, quando ela que estava em uma cadeira atrás da minha me tocou o ombro direito e me perguntou qual era a minha profissão, quando a respondi ela sorriu e disse: “nossa até agora não tinha encontrado outro guarda!” posso me sentar ao seu lado? Prontamente respondi que sim.

A segunda pergunta que me fez foi: você pode tirar uma foto nossa com sua câmera? Pensei que tinha sido uma cantada, mas antes de eu responder ela começou a narrar a história que passou agora contar.

Segundo Maria Augusta certo dia de sol, por volta das dez da manhã, o Controle de Operações de sua Guarda Civil havia determinado que ela juntamente com seu parceiro se dirigisse até o cemitério central para averiguar danos causados em um túmulo por um caminhão da prefeitura. Chegando ao destino o encarregado da viatura foi se interar dos fatos e ela, que era a motorista, manobrou a viatura e foi tomar água.

Na administração do cemitério, onde ficava o bebedouro, ela não encontrou ninguém, tomou a água e saiu. Andou um pouco e percebeu que na entrada do cemitério um caixão estava sendo aberto para o último adeus dos amigos e familiares. Movida por curiosidade ela se aproximou para tentar ver quem era o de cujus. Tratava-se de uma senhora que já tinha entrando na velhice.

Passado pouco tempo o caixão foi levado para o sepultamento, o grupo o seguiu, menos um senhor, que permaneceu sentado em um banco de concreto que existia na entrada do cemitério, bem ao lado de onde estivera o corpo da falecida senhora. Este senhor olhava para o nada, meio curvado. Aparentava ter uns oitenta anos, cabelos ralos e amarelados. Tinha baixa estatura. Era branco, tinha grandes olhos pretos e usava óculos com grossas lentes.

Maria Augusta olhou para tentar encontrar seu parceiro de trabalho, mas este ainda estava envolvido com a ocorrência e longe de suas vistas, então ela se aproximou do senhor e puxou conversa.

- Oi.
- Oi! Respondeu o senhor.
- Descansando um pouco? perguntou a guarda municipal.
- Pois é...
- O senhor mora aqui perto?
- Moro.
- Como o senhor se chama?
- Me chamo...
- Sabe que eu acho que nem me lembro mais.

A guarda já achando que o senhor estava esclerosado, sorriu timidamente, meio desapontada e já ia saindo quando ele respondeu.

- Pode me chamar de construtor de túmulos.
- Construtor de túmulos? Por quê?
- Porque eu sou pedreiro e quando as pessoas querem fazer túmulos e os construo. Já faço isso há 68 anos, desde que eu tinha dez anos de idade. E sorriu.
- Como o senhor começou a construir túmulos?
- Contrui um para o meu pai. Eu o amava muito e ele morreu de tuberculose moço de tudo. Eu tinha dez anos e resolvi enfeitar sua sepultura. Usei madeira de caixote e um retrato dele desenhado, que protegi colocando em um quadro. Fiz uma cruz de madeira e pedi para um padre escrever em um papel “descanse em paz”. Como eu não sabia escrever desenhei as letras, que estavam no papel, com uma faca em uma tábua fina e preguei no pé da cruz. Era outra época. Começo do século XX. As pessoas gostaram do trabalho que fiz e comecei a fazer também enfeite nos sepulcros de seus entes queridos. Depois me aperfeiçoei e aprendi a ser pedreiro.
- Que história bacana.
- Você quer que eu construa um túmulo para você?
- Obrigada, mas ainda não perdi nenhum parente. Graças a Deus!
- Não estou dizendo construir para o seu parente, mas sim para você mesma “habitar”. Ponderou o velho senhor.
- Ainda em vida? Disse espantada a guarda.
- Sim, eu mesmo já fiz um para mim. Quer ver?

Maria Augusta pensou consigo que jamais havia ouvido tamanha bobagem, mas a curiosidade a fez aceitar o estranho convite.

- Adoraria. Olhando para tentar ver se o seu parceiro estava liberado não o enxergou e pensou que caso ele precisasse dela ele daria um toque no seu celular.

O velho construtor de túmulos se levantou e agilmente começou a andar, Maria Augusta o seguiu. Viraram à direita e foram caminhando pela rua asfaltada que terminava na sala do IML.

O cemitério era bonito, cheio de flores e aquele senhor provocava o sentimento de admiração na guarda civil feminino. A rua era larga, estava vazia, nem coveiros havia naquele lado, provavelmente estavam em outro canto do cemitério.

O velho e a jovem foram conversando alegremente sobre como seria habitar para sempre naquele local e a guarda municipal gracejou dizendo: “o senhor não vai ter muita sorte, pois vai ser enterrado onde sempre trabalhou e deu sonora risada”.

Logo o velho desviou a atenção da jovem apontando o indicador para o lado direito e dizendo: “lá está”. Neste momento Maria Augusta olhou para o lado direito e perdeu do seu campo de visão o construtor de túmulos, que estava a sua esquerda.

Em seguida Maria Augusta sentiu uma dor dilacerante no pescoço e a vista escureceu. Depois disso não se lembra de mais nada. Somente sabe o que lhes contaram.

Maria Augusta me contou que isto foi a cerca de dois anos. Ela me mostrou a marca da facada que levou no pescoço do construtor de túmulos, agora há só uma pequena e imperceptível cicatriz. Ele não foi preso, ninguém o viu no local ou sequer o conhece. Segundo ela, quem a encontrou caída e sangrando, foi o jardineiro. A faca do agressor atingiu em cheio sua jugular.

Ela estava tentando só fazer o tempo passar mais rápido quando começou a conversa com o seu agressor.

Neste momento da narrativa, antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, à palestra acabou, e as pessoas começaram a bater palmas para o palestrante. Como eu queria tirar uma foto com o palestrante e ele já estava se retirando, falei para a Maria Augusta me acompanhar que eu queria falar com o professor e ela me seguiu.

Fui atendido prontamente pelo palestrante e nos posicionamos para tirar uma foto, mas a guarda que já havia pedido anteriormente para tirar uma foto comigo aproveitou a oportunidade, então passamos a câmera para outra pessoa que tirou três fotografias, sendo que na pose estava eu o palestrante e Maria Augusta.

No momento seguinte o celular da Maria Augusta tocou e ela foi atendê-lo. Distraí-me com qualquer coisa e fui tomar um café. Era intervalo. Passado algum tempo passei a procurar a simpática e tagarela guarda. Não mais a encontrei.

Pensando ainda sobre aquela figura pitoresca retornei a minha residência.

A minha maior surpresa se deu quando fui descarregar as fotos no meu computador. Na foto tirada com o palestrante e Maria Augusta estava só eu e o palestrante. Maria Augusta não estava em nenhuma das três fotos tiradas. Não consegui tirar esta história da cabeça.

Maria Augusta chegou, me contou sua história e com a mesma pressa que narrou sua trágica epopéia ela partiu. Eu não disse a ela sequer o meu nome. Será que nesta história tem alguma mensagem para mim? Por que será que a mim ela contou tudo isto?

De qualquer maneira, acredito que se existiu alguma Maria Augusta naquele congresso ela não estava de corpo e alma presente. Procurei em todas as Guardas Civis Municipais da região de Campinas e não achei a menor pista sobre sua existência.

2 comentários:

  1. Eita, cuidado agora heim ahauhuahau

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  2. puxa eliel q experiencia...
    tive uma experiencia assim dp da minha cirurgia...mas as pessoas não acreditam...ja me acostumei, nem conto mais...rsss
    beijo e uma otima semana! vi

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Obrigado. Fica com Deus.