terça-feira, 29 de setembro de 2009

Eu, Felizbério e a Morte


Certo dia, eu já velho e solitário no mundo, vi a morte, com sua longa foice chegar em meu quarto escuro, iluminado por uma lamparina...

Eliel - Morte? É..é..é.. a Sra.? Meus Deus!

Morte – (gargalhada diabólica) que falta de originalidade! Todo mundo me espera, mas quando eu chego se espanta!

Eliel - Por quê? Por que tenho que ir?

Morte – Sei não? Acho que ficou velho, seu coração parou, o seu cérebro fritou...sei lá, não me preocupo com detalhes...

Eliel - Mas, mas...

Morte – Vamos logo, eu preciso correr, tenho mais cinco pessoas para pegar na ferrovia.

Eliel – Tudo bem, eu vou, me resigno, mas deixa-me apenas declamar um poema para a Sra.?

Morte – Você não será inesquecível por isso, já ouvi muitos, desde a antiguidade...embora tenha gostado do diálogo com Camões, até hoje recordo “ Que levas, cruel morte?....

Eliel – Então posso contar uma piada?

Morte – Não, já sei todas sobre a minha figura e a vida!

Eliel – (desesperado, vendo a morte andar em minha direção) Posso te beijar?

Morte – (espantadíssima) beijar?

Eliel – (suando frio) Sim, sempre fantasiei beijar a morte e assim passar para o mundo dos imortais. Beijar você será para mim um privilégio, além do mais não teremos testemunhas e somos dois velhos, você é milenar e eu secular. Que tal?

Neste instante a morte senta em uma cadeira próxima ao meu leito, coloca as mãos no joelho, sua foice cai, seu corpo começa a se convulsionar e sua voz embargada pela emoção fica mais esganiçada. Ela solta um grande suspiro e me diz com grande agitação:

Morte - Felizbério você está preso neste corpo?

Eu não entendendo nada, mas percebendo, que alguma coisa de boa poderia sair, digo:

Eliel - Sim, minha amada imortal (lembrei de Beethoven)!

Morte – (Em transe) mas por que você está na minha lista?

Eliel – (pensando rápido) alguém queria que você me visse, mas acho que se você me levar ficaremos em maus lençóis, o que acha?

Morte – Jamais te levaria, sinto tanto a sua falta, mas te levar agora estragaria a sua missão e eu seria castigada, talvez até fizessem outro holocausto e eu não teria descanso. Deus me livre!

Morte – (com uma voz cheia de dor de amor) Eu não posso ficar perto de você, mesmo neste corpo fétido e amassado você é belo...quando você me pediu um beijo eu descobri na hora que era você!

Eliel – (mais confiante, mas ainda trêmulo) Desculpe, se eu falasse quem eu sou você poderia não acreditar, talvez achasse que eu sabia do mito entre “A Morte e o Felizbério”.

Morte – Você é excelente, até o espanto foi igual a todos os podres e pobres mortais. Bem sabes que não posso te beijar, mas...que saudades de ti.

Eliel – (querendo me livrar daquela presença opressiva) vais....se apressa e corra pelo mundo, amanhã em alguns milênios a gente se encontrará de novo...

Morte – (num sussurro) tenho que ir...já tenho trinta e sete trabalhos atrasados...vê-lo me enche a mente de suspiros (nem eu entendi)...até mais... Grande e terrível Felizbério!

Após esta frase a morte explode e uma chuva de papéis prateados cai do céu me atingindo o corpo.

Desde aquele dia remocei, voltei a ter vigor, energia, saí do campo, vim para a cidade.

Deixei de contar o tempo em anos. Por imposição da sociedade ao tirar os meus documentos disse que havia nascido em 1982, na cidade de Santa Bárbara D’Oeste. Mas já devo ter uns trezentos anos. Sim, devo ser imortal, mas, por favor, não contem para ninguém, detestaria ser objeto de estudo.

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