sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Gargamel o amigo



Ele era um verdadeiro desastre. Tudo o que fosse improvável de acontecer com ele acontecia. Ele mesmo se achava meio lerdo e azarado.


Seu nome me foge da memória, mas o seu jeito simples, bondoso e atrapalhado me fazem até hoje mencioná-lo em algumas rodas de amigos. Trabalhei com ele por dois anos em uma empresa que hoje nem existe mais.


Eram tantos absurdos que eu ouvia diariamente que eles me levavam as lágrimas de tanta risada que eu dava. Como ele era de raciocínio vagaroso e falava com muitos erros acabava sendo o alvo das brincadeiras. Algumas aceitáveis, outras um tanto condenáveis.


Ele era um senhor meio gordo, meio encurvado, seu apelido era Gargamel em homenagem aos smurfs, tinha uma voz anasalada e o mesmo tempo grossa.


Sempre pela manhã estava de bom humor, mas era o pior momento para ele e o melhor para a galera que o caçoavam de todas as maneiras possíveis. Ele falava errado, por exemplo, em vez de chácara ele falava jácara, em vez de problema dizia pobrema, em vez de pele falava péla, arroz com feijão para ele era arrai com cejão.


Entretanto, na tecelagem ele era extremamente útil e obediente. Era um curinga, fazia de tudo. Ele contava muitas histórias da Bahia, sua terra natal. Dizia que lá era tudo diferente e melhor do que no Estado de São Paulo.


Aos poucos eu fui mudando de grupo, daqueles que riam as custas do Gargamel passei a ser seu amigo. Queria entendê-lo e ser solidário. Passei a almoçar com ele e a contar histórias da minha vida a ele. Logo, aquele baiano de trejeitos caipira começou a falar coisas das quais ainda me lembro. Passou a ser um conselheiro.


Certa vez eu me queixando da vida, namorada e grana ele me deu uma lição que a carrego dentro do meu coração e da minha mente. Falou assim: “Eu sei que sou meio burro, mas eu fico atento para ouvir a conversa das pessoas mais inteligentes, porque assim eu posso aprender algo e copiar alguma idéia boa”.


O tempo passou, saí da empresa e o Gargamel voltou para a Bahia. Quando eu saí da empresa eu tinha uns dezoito anos, ele já devia ter os seus quarenta e cinco.


Levei esta lição, suas palavras para a Universidade, para os meus outros trabalhos, para minha vida conjugal, pois com aquela frase ele reconheceu uma humildade que o fazia dar importância as ideias das pessoas. Ele ouvia as pessoas, achava que daqueles mentes poderia vir a melhora para sua vida. E certamente veio.


Recentemente tive a oportunidade de ir até a Bahia e lá andando por Santa Cruz da Cabrália, me deparei com um Senhor bradando a venda de lembrancinhas da localidade. Este Senhor estava de costas para mim, mas a sua voz era inconfudível. Era o Gargamel. Fui até ele, que de pronto me abraçou e minha maior emoção foi ele me chamar de amigo e ter me dado um abraço de verdadeira amizade.


Me contou que o negócio ia de vento em polpa. Sua fala ainda estava errada, seu jeito continua simples, mas com certeza sua alma é muito mais correta e inteligente do que das pessoas que como eu caçoavam das suas simplicidades.


Abraço meu amigo. Talvez você nunca leia este texto, mas vai aqui minha homenagem para você.

3 comentários:

  1. Hum, adorei! Escreve melhor a cada dia. Quando será a noite de autógrafos? Você vai longe...
    Abraços, com muito desejo de sucesso!
    H.A.S

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  2. que linda homenagem e me lembrei do desenho do Gargamel!!!hahahah adorei! bjosss e excelente final de semana.

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  3. lindo texto, ótimo para refletir pq sempre em meio uma galera tem aquele que é caçoado por suas diferenças ou dificuldades, mas merece o nosso respeito e muitas vezes tem algo bem maior a nos ensinar do que pensamos!

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Obrigado. Fica com Deus.