terça-feira, 16 de março de 2010

Fim de tarde



Acaba-se o dia. O sol desce no horizonte levando consigo o brilho e a clareza das coisas. Com o sumiço do sol vem a sombra ofuscante da noite. Confusões aparecem. O cansaço pede banho, o corpo exige recompensa, mas as vezes pede e não é atendido.


O caminhar não é ágil como durante as primeiras horas do dia. As horas foram engolidas, promessas foram cumpridas, descasos foram presenciados, palavras foram distorcidas, esperanças foram destroçadas, mas um dia e o silêncio persiste. O telefone não tocou, nenhuma empresa chamou para uma entrevista.


Os mais velhos apegados aos arraigados hábitos se preparam para fazer o óbvio de tantas noites e as criança ficam enfadadas. O cérebro ainda trabalha veloz, muitos já pensam no próximo sol, outros tantos afogam as mágoas em corpos entregues aos prazeres espúrios ou só repugnantes, como o da bebida sem limites.


As mulheres estão sem assunto, são pálidos retratos das belas jovens que foram. Os homens com as suas barrigas protuberantes, seus bafos que vem do além do estômago, que está azedo por ácidos descontrolados, pensam na conta de energia e fantasiam sonhos que jamais serão realizados.


As poucas horas entre o espaço de se acomodar e ir dormir são vencidas. As orações são proferidas em voz baixa com ou sem muita convicção, o dia de amanhã será melhor. O esqueleto quando é finalmente entregue ao velho puído colchão deseja a terra.


O sono não vem, de repente se recorda de uma tarefa incompleta, de uma fatura esquecida, do parente doente e há necessidade de se levantar. Na cozinha vai até o pote de barro e pega um copo do líquido da vida. Fixa o olhar no nada e se pergunta sobre questões enfadonhas, mas não há mais energias para uma rebeldia interna, mas tão somente para um espasmo que sai com grande vontade pelo reto, deixando a atmosfera brevemente estragada.


Com um sorriso meio torto volta para a cama, vira para um lado e para o outro, mas nada do sono chegar. Em pouco tempo uma sinfonia de pernilongos aparecem e testam a sua pele enrugada, fazendo caroços subirem da combalida carne que reveste o seu pobre braço.


Outra vez o corpo é levantado e vai para a varanda. A quietude é assustadora e não traz paz. Luta-se para não pensar em nada mas a realidade é dura, a insônia está presente, sendo má conselheira.


Logo se fecha a porta e vai para a sala de televisão. Neste momento assiste-se um filme pela metade e se adormece no começo do próximo.


Desperta-se assustado. A esposa está a cutucar as suas costelas. O retorno para a cama é penoso. Enfim adormece. Os sonhos são um tanto de nadas temperados com absurdos. O dia amanhece, o sol volta e outra vez ele se dirige para o ponto de ônibus, onde o fretado da empresa logo vai apanhá-lo para outro dia. Ele ainda não tomou café e está de mal humor.

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