quinta-feira, 4 de março de 2010

O ENTERRO DO JOÃO



- Meus Deus! Ercílio, o João estava até ontem com a gente no bar do Quim, agora esta aí mortinho da Silva.


- É...


- Como você pode Ercílio, falar só é?


- Vou dizer o que mais Tonho?


-Sei lá, qualquer coisa menos só é. Que falta de consideração!


- Não é falta de consideração não, meu velho amigo, é providência.


- Providência? Agora acabou de danar tudo, que providência você vai tomar?


- Já tomei, é uma garrafa de pinga que eu comprei lá no Tenório, dizem que é pinga mineira.


- Nossa Ercílio, fomos tanto tempo amigo do João e você fica nessa ai? Bebendo?


- Eu tô triste Tonho, precisava de um trago, ainda mais que eu prometi que faria um discurso para ele se ele morresse primeiro e ele me prometeu a mesma coisa. Azar dele e meu.


- Discurso, você vai falar que hora, sendo que a gente já está no cemitério.


- Vou falar a hora em que o caixão estiver descendo para a sepultura.


- E se a família dele não gostar.


- Acorda Tonho, o João não tinha família. Era aposentado e morava sozinho. Nunca se casara e a família dele era nós.


- Hum...


Naquele momento ia sobre o carrinho do cemitério o corpo do João, do qual nada sabemos. Quem foi na vida? Qual era o seu credo? Quem havia sido os seus amores? Quais tinham sido suas dores? Quais foram os seus momentos felizes?


No caminho acompanhando o enterro estavam dois homens mal vestidos e sujos. O da esquerda era o Tonho, que mais provavelmente se chamava Antônio, o da direita era o Ercílio.


Como as formalidades estavam reduzidas e a fome dos coveiros apertava, pois já era quase meio-dia rapidamente chegaram ao buraco que serviria de sepultura, de morada eterna para aquele tal de João.


- Vai Ercílio, já vão tirar do carrinho, olha o gancho sendo enroscados na alça do caixão.


- Calma Tonho.


Meu amigo João, chegamos até aqui juntos, daqui para frente não posso te acompanhar. Eu nem me recordo quanto tempo faz que nós nos encontramos. Mas a dor da separação é imensa.


Eu sinto um aperto no peito. As palavras me fogem da mente. Mas sei que vou conseguir honrar a minha promessa. Assim como você honraria se aqui estivesse no meu lugar.


João, nos encontramos na desgraça, já não tínhamos um passado vitorioso, mas a tua companhia me ajudou a caminhar. No pouco foste um amigo de verdade. Nos nossos cururus era a tua viola que completava a minha voz.


Eu nunca pude dizer isso, em vida, não tinha coragem, mas eu te amo, como um irmão. Neste momento, que vejo a tua urna, me sinto como deve ter sentido o irmão do Chico Mineiro, história tantas vez por nos dramatizada, pois esta era uma das suas músicas favoritas.


O amanhã para a gente não existe, o hoje para você talvez nem seja um presente. Acredito, que se eu pudesse ver o seu rosto, o mesmo sorriso cansado avistaria. Estás livre meu irmão, parta para os lugares que sonhastes conhecer. A solidão não mais te abraçara, você agora será o algoz do tempo.


João, assim que eu conseguir vender nossas reciclagens, volto aqui com material e com um pedreiro e daremos um jeito na tua sepultura. Será linda. É uma pena aqui não ter uma música para podermos nos separar.


No entanto, meu compadre, sinto na obrigação de te saudar pela última vez como os grandes heróis da nação foram saudados.


Ercílio, limpou a garganta e disse: Preparar. Apontar. Fogo. Ercílio ainda fez uma onomatopéia: Bum. Bum. Bum.


Tonho abraçou Ercílio e os coveiros aplaudiram o orador. Após o sepultamento, que só teve uma coroa de flor, fornecida pela funerária do plano de João, eles saíram abraçados cantando uma canção sertaneja antiga, que muitos disseram ter sido “fogão de lenha”.


Assim acabava a cena. O sol estava alto e os coveiros foram lavar as mãos para mais uma refeição.

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