sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Enoque


Andou meio trôpego, acabara de se esquecer do que ali fazia, para onde ia ou de onde estava vindo. Abraçou o nada e encontrou a certeza da solidão, pensou em coisas nobres, como a abnegação dos santos da igreja católica, o amor de uma mãe pelo filho, a caridade dos que mesmo tendo pouco dividia com os menos favorecidos.

Do alto dos seus quinze anos, nascido em uma favela, morava em uma casa de madeira com a mãe e com outros três irmãos. O dinheiro só vinha pingado, das esmolas recebidas no semáforo, do pequeno furto à caixa registradora do mercadinho ou do pessoal do tráfico, quando pequenos serviços ele executava.

Naquele momento ele sentiu uma tristeza vinda das suas más ações, sentiu que caminhava com passos largos para uma morte besta e precoce, tentou, mas não conseguiu vislumbrar um futuro bom, era descrente, tinha certeza que para ele a cadeia ou o cemitério era a próxima parada.

Mas, nesta noite, ele totalmente embriagado por ter ingerido diversas doses de bebida com alto teor alcoólico chegou à conclusão que era preciso estar muito bêbado para enxergar a verdade do mundo são, que talvez fosse preciso espreitar a morte para valorizar a vida, que seria necessário silenciar seus pensamentos para ouvir a canção do seu coração.

Ele deitou-se no chão frio da madrugada de agosto, o céu “girou” um pouco, mas a hora que parou ele começou a chorar, sentiu imensa pena de si mesmo, imaginou-se dentro de um caixão, a madeira era simples, da mais barata, o acabamento sem capricho, feito as pressas, as flores eram poucas nem cobriam até a sua linha de cintura, a face mais parecia de um velho do que a de um menino de quinze anos viu a sua mãe passando a mão sobre o rosto do defunto, que era ele próprio, viu suas lágrimas e viu os seus três irmãos mais novos, sentados no chão, quase embaixo do caixão, comiam bolachas de “maizena” e estavam quietos, tristes, mas não choravam, eles não sentiriam falta do irmão mais velho, que era só um exemplo de fracasso e desonestidade, este exemplo era tudo o que eles não deveriam ser.

Neste transe, ele viu uma luz vinda do céu, a luz era quente e reconfortante, aos poucos ele foi parando de chorar e em vez de continuar com esta visão mórbida ele se viu em uma igreja linda, cheia de imagens de santos e uma voz do meio da luz dizia, um dia farão uma imagem de ti e você será também considerado um santo, farão orações para você, a fim de que interceda por eles em suas causas difíceis e Deus inclinará para você de um modo todo especial.

Com a alma feliz ele viu a luz se apagando e uma voz dizendo: “eu cuidarei de você, você terá vida e vida em abundância”. Com estes pensamentos ele abriu os olhos, a madrugada fechada era um convite ao sono, mas não naquele chão, ergueu-se e foi para “casa”, a embriaguez havia passado milagrosamente, ele acabara de se esquecer da visão que tivera, mas o seu espírito estava renovado e com uma promessa de Deus, sua vida mudaria e ele seria testemunha viva do que é à força da fé, sobretudo a fé em Deus.

Assim, Enoque começava sua caminhada rumo ao papado e a canonização, muitas pessoas se enxergariam dentro dos seus olhos castanhos e veriam uma parte dos céus na terra. Quando este homem de Deus abrisse a boca para falar sobre as maravilhas do reino dos céus, que fica lá na eternidade e aguarda a todos, haveria serenidade entre os seus ouvintes, como se estivessem mais perto do paraíso e de suas verdadeiras casas.

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