sábado, 26 de março de 2011

A queda do ditador


A queda do império estava consolidada, agora a resignação era total, as forças haviam abandonado o pobre homem. O cabelo despenteado, a expressão de susto, a roupa em desalinho e a face demonstrando simplicidade, longe da arrogância que o havia caracterizado dava um toque final àquela cena pitoresca.

O pensamento continuava rápido, era como se a interpretação de tudo que sucedia fosse algo muito complexo para se entender. As pessoas que o cercavam nada significavam. Os xingamentos e os preparativos da sua morte eram indiferentes. A sua mente voava, estava liberta.

Na casa dos setenta anos o ditador olhava, mas não enxergava. Os sentimentos se confundiam. O juízo havia fugido. O cérebro fora abraçado por uma névoa. O censo crítico não estava presente. Ele se esquecera dos seus familiares, dos problemas, da ganância, do poder, da tirania, do ódio e do futuro. Ao que parecia ele mesmo já havia decidido que sua vida já havia terminado.

As pessoas que exigiam a sua execução lotavam a praça pública, exigiam sangue, queriam que ele sofresse. O ditador era nesse momento povo e o povo, representado pela multidão era o ditador. Os rostos de pessoas simples traziam um riso sádico, sentiam prazer naquilo que o carrasco faria.

O ditador sentiu no seu coração um profundo aperto, mas a lucidez não chegou até ele. Havia uma cegueira em seu discernimento. Em um turbilhão de tentativas de pensamentos ele se lembrou de quando era uma criança, no orfanato ele se viu só, em um dia frio e logo a cena se alterou e ele viu uma mulher alta lhe dando uma bofetada, ele não conseguiu resgatar o motivo de ter apanhado, entretanto, a sensação de aperto foi a mesma. Agora ele sabia quando perdera qualquer compaixão. O “tapa” no orfanato, o tornara insensível.

Na memória daquele homem, neste momento, ele viu as mulheres que ele permitiu que fossem estupradas, viu as pessoas que foram queimadas vivas, viu os homens assassinados por simples caprichos e sentiu um nó na garganta. O choro convulsionou o seu corpo pequeno e ele chorou com grande pesar.

O povo vibrava, “uiva”, pareciam almas penadas de filmes de terror, achavam que o ditador chorava pela pena que lhe seria imposta, a execução por enforcamento, mas ele não sabia o que lhe estava acontecendo, ele só sentia um vazio, como que se de repente percebesse que a vida fora apenas um instante e totalmente sem sentido.

O ditador não tivera filhos, não conhecera mulheres por prazer, mas sim por status e mais poder e agora lhe acontecia algo que lhe fugia a compreensão. Num indício de loucura o choro transformou-se em riso descontrolado. A multidão se assustou e muitas crianças começaram a chorar.

O dia que estava nublado piorou e a chuva primeiro fina, depois torrencial, veio e dispersou grande parte do aglomerado de pessoas. Quando o ditador foi enforcado ninguém gritou, nem houve comemoração, o silêncio se estabeleceu e as pessoas foram embora sem alarde.

O que ninguém ficou sabendo é que o último pensamento do ditador delirante foi que ele estava nascendo, se viu no útero materno sendo expelido para fora, em uma desarmonia de idéias a sua vida terminava enquanto ele pensava que estava, enfim começando.

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