segunda-feira, 30 de maio de 2011

Eu preciso te contar...



Eu envelheci, graças a Deus! Quantas bênçãos foram sobre mim derramadas! A cada saudade que tenho, eu deveria ser capaz de fazer uma prece, mas não a faço e nem por isso minha vida piora.

A maioria das pessoas diz que idoso só conta o que foi; e elas estão cobertas de razão! Eu fui menino, em um sítio distante daqui. Tive muitos irmãos: sou o quarto de oito filhos. E meus pais eram muito carinhosos.

O carinho de papai era difícil de entender, mas fácil de sentir. Ele tinha uma expressão carrancuda e quase nunca falava conosco, mas todos os finais de semana nos deixava dormir mais tarde e nos comprava sorvete depois da missa, que sempre acontecia na capela da cidade.

Ele fazia questão de nos abençoar todas as noites. Nós, filhos, beijávamos sua mão, e ele beijava nossa testa. Nas noites frias, ele nos cobria com um cobertor bem grosso. Eu sempre gostei de sua presença, pois acabava me sentindo importante só de ele olhar para mim.

Como papai era bonito! Eu ainda me lembro do dia em que ele adoeceu; eu já era moço. Ele deixou de ir à roça e logo ficou preso na cama. Após alguns anos, ele morreu, mas nós já estávamos consolados. Ele era jovem: quarenta e dois anos. A mamãe tinha quarenta anos e nunca mais se casou.

Nesse momento em que falo de minha vida, recordo-me de minha mamãe. Ah, como era bom o seu cheiro de água de colônia! Era doce... Depois de abraçá-la, o cheiro ficava em mim. O jeito risonho e a maneira como ela bagunçava o cabelo dos filhos eram muito próximos e íntimos. É engraçado, e vocês podem até não acreditar, mas até agora ainda consigo sentir o perfume dela e sua mão acariciando a minha cabeça de maneira despreocupada.

Em um dia quente de verão, mamãe sentiu uma dor forte no peito e, ali mesmo, no meio da sala, caiu e partiu deste mundo para um lugar bonito. Ela merecia. Eu já contava com trinta e cinco anos e estava quase me casando. Eu me casei três meses depois. Fui o último a casar, porque queria cuidar da mamãe e consegui. Que saudades de seu sorriso e do som de sua voz!

Minha infância foi em um lugar simples, com poeira e barro. Subíamos em mangueiras e goiabeiras. Meus brinquedos eram enormes e coletivos. Meus amigos eram muitos, e todos tinham a mesma expressão, os mesmos costumes, mas sonhos diferentes.

Eu sonhei com coisas malucas, e elas se tornaram reais. A tecnologia me surpreendeu e ainda me surpreende. Hoje mesmo, eu ri muito quando meu neto me disse que queria de aniversário um cachorro eletrônico, pois só é preciso escolher cor, tamanho e tal. O cachorro não morrerá, muito menos envelhecerá.

Minha mocidade foi bonita, tinha brilho e bondade. As festas, os bailes e as rodas de conversa foram dourados e estão devidamente guardados em minha cabeça, que hoje apresenta uma cabeleira branca como algodão.

Tenho sete irmãos; comigo, somos oito, nesta ordem: Eduardo, Alana, Maria, eu, João Batista, Caio, Gabriel e Antonio. Todos foram anjos que fizeram minha existência ter valido a pena.

O Eduardo se tornou padre e foi muito feliz. João Batista continuou com os negócios do sítio, teve dez filhos e morreu satisfeito com Deus. Caio se tornou cantor amador e morreu na bebida, mas nunca reclamou da vida. Gabriel foi meu irmão mais lindo, teve uma mulher excelente e foi dono de uma grande rede de hotel. Antonio foi escritor, e uma de suas obras se tornou um clássico da literatura. Alana e Maria morreram jovens, vítimas de um acidente com o ônibus que as levava para a escola rural. Meus pais eram vivos e agradeceram a Deus por ter-lhes dado tão lindas filhas. Eles não disseram uma blasfêmia sequer.

Hoje, todos os meus irmãos partiram e moram com Deus, e só eu fiquei. Caso fosse possível voltar a viver aquilo por que eu já passei, queria viver tudo da mesma maneira como foi, com as mesmas pessoas que me foram dadas como familiares e amigos.

Eu me casei com Ana, mulher da mais alta qualidade. Aos sessenta anos, com nossos três filhos crescidos, ela foi morar nos Céus. Ela não sofreu, morreu dormindo. Em uma manhã, não se levantou. Eu chorei abraçado a ela, quando notei sua pele fria e sem vida. Porém, agradeci a Deus, pois Ele foi sempre muito bom comigo. Ela era linda e sempre usava roupas elegantes.

Eu aprendi a profissão de marceneiro, fundei uma empresa, a qual hoje é de meus filhos e sustenta também cinquenta e oito famílias. Sou muito orgulhoso por essa conquista que Deus me deu. Minha filha Juliana, a mais jovem, é a gerente. Meu primogênito, Romeu, é o representante comercial. Já minha filha do meio, Tereza, é minha companheira e não trabalha na empresa.

Tereza possui certo retardo mental. Ela não casou e cuida de mim e de nossa casa. Possui habilitação e me leva para cima e para baixo de carro. Ela me cobre como meu pai fazia e às vezes me beija a testa. Eu sou muito feliz com a Tereza.

Tenho todos os benefícios que os idosos possuem e adoro todos. Eu gosto de ser respeitado. Não sou velho, pois velho é o livro, o armário, o guarda-roupa, etc. Eu sou idoso.

Meus cinco netos são meus tesouros e adoram ouvir minhas histórias. O Lucas, que é o mais novo do Romeu, ajuda-me a escrever. Ele diz que ainda me falta escrever um livro, pois árvores eu já plantei.

Hoje, do alto de meus noventa e seis anos, eu olho e agradeço a Deus por ter recebido das mãos Dele a graça de ser o único sobrevivente de minha família de primeira geração e de meus amigos daquela época. Eu sei por que eu fiquei, porque eu sempre quis ser o último a fechar os olhos para sempre. Deus atendeu meu pedido.

Com o passar dos anos, a vida se tornou leve. Eu acabei entendendo que a única forma de tornar a vida sem peso é assim, sendo leve, deixando de resmungar, de achar que sempre sei, que as minhas ideias são melhores e que na minha época tudo era perfeito. Eu amo o mundo e todos os seus habitantes.

Minha meta é chegar aos cento e vinte e cinco anos, porque disseram que esse foi o máximo que um ser humano já viveu. Nem sei se é verdade, apenas achei o número bonito: um século, duas décadas e cinco anos.

Bem, obrigado por me escutar. Que sua história de vida seja tão bonita como a minha. Porém, lembre-se de que a beleza sempre vai depender dos olhos que interpretam o quadro de nossa existência. Fique com Deus, pois Ele sempre sabe o que faz.

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